sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Oposição aos transgênicos encurrala agricultura mexicana – e no Brasil?


Recentemente um Tribunal Federal mexicano declarou os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente mexicanos inaptos a avaliar os riscos de OGM. O Tribunal também suspendeu toda e qualquer liberação planejada no ambiente e até mesmo as discussões sobre avaliação de risco nas comissões dos dois ministérios (http://www.inforural.com.mx/spip.php?article132518).
Como é possível que juízes saibam mais sobre o assunto de avaliação de risco de OGMs do que as equipes das autoridades nacionais sobre o assunto, registradas e reconhecidas pela Convenção de Biodiversidade? De fato, não sabem, mas seguem uma interpretação restritiva do Princípio da Precaução e atendem ao apelo midiático das organizações não governamentais nacionais e multinacionais que se opõem aos transgênicos.
O que de fato está acontecendo? Imaginemos o diálogo de um consumidor mexicano com um avaliador de riscos de OGM sobre a questão:
Consumidor - Com a proibição dos experimentos com milho GM nosso alimento futuro estará resguardado de conter milho GM?
Avaliador - Receio que não. O México não produz milho suficiente para seu consumo, sobretudo no caso do milho amarelo. E isso tenderá a continuar assim, porque a modernização do campo está muito atrasada e o país apresenta uma das piores produtividades médias da América Latina (http://imagenagropecuaria.com/2013/mexico-en-ultimos-lugares-de-al-en-productividad-agricola-fao/). Por isso, o México importa e continuará importando, produtos processados e grãos de milho transgênicos dos países exportadores (Estados Unidos, Brasil e Argentina). Os mexicanos, efetivamente, consomem regularmente milho transgênico, sem qualquer relato de problemas de saúde relacionados a isso.
Consumidor – Mas muitos argumentam que o milho transgênico faz mal à saúde e que há experimentos que demonstram claramente isso. Eu mesmo vi fotos de ratos com tumor devido à ração feita com base em certo milho transgênico.
Avaliador – Há um grupo de trabalhos publicados que pretendem mostrar danos à saúde provocados pelo milho transgênico ou por uma mistura de milho e soja transgênicos. Mas são trabalhos muito ruins, dos quais não se pode concluir nada (veja, por exemplo, http://genpeace.blogspot.com.br/2012/09/artigo-que-mostra-o-surgimento-de.html). Ao contrário, há centenas de trabalhos, com boa metodologia, que mostram a segurança destes produtos. E, o mais importante, há bilhões de consumidores, assim como você, comendo produtos feitos com base nestes milhos, sem relato de doenças. Você mesmo, seguramente, já comeu ou bebeu muitos produtos contendo milho GM ou seus derivados, e está aí muito bem.
Consumidor – Pode ser que o milho transgênico faça mal em longo prazo. Pelo Princípio da Precaução, empregado agora pelo grupo que conseguiu livrar o México dos transgênicos, não deveríamos consumir nem produzir este milho antes de termos certeza de sua inocuidade alimentar e de sua segurança ao ambiente.
Avaliador – Tudo na vida tem riscos, que devem ser pesados contra os benefícios. No caso das plantas transgênicas os benefícios estão mais do lado do produtor, mas também o consumidor se beneficia com produtos mais baratos e de boa qualidade. A prova disso é a adoção sempre crescente dos cultivos transgênicos no mundo (http://genpeace.blogspot.com.br/2013/05/cultivos-geneticamente-modificados-no.html). A decisão de plantar ou não um grão GM, uma vez que ele foi considerado seguro pela autoridade competente no país, é do agricultor. Assim, num país democrático, proibir um tipo de tecnologia em benefício de outra é restolho de ditaduras passadas. Além disso, o que cada um entende por Princípio da Precaução pode ser algo muito diferente daquilo que estabelece o Protocolo de Cartagena (na verdade, o texto vem da Convenção do Rio de Janeiro de 1992), que o México assinou e interiorizou em suas leis e normas. o Princípio 15 diz textualmente:
“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado  pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
A interpretação do Princípio da Precaução deve ser feita com cautela e sensatez. No caso dos milhos GM, não há demonstrações válidas de “ameaças de danos sérios e irreversíveis”. Alem disso, a certeza científica não deve ser estrita, ou seja, não tem sentido exigir certeza cientifica de ausência de risco, uma vez que risco é parte da vida; não existe risco igual a zero. Até o Princípio de Precaução não é isento de riscos e uma de suas interpretações mais extremas é: “Em caso de dúvida, nada faça!”.  A história mostra que os riscos decorrentes da interpretação restritiva do Principio da Precaução causam danos irreparáveis e irreversíveis. As milhares de mortes pela varíola nos 60 anos de proibição da vacina e a guerra da vacina no Rio de Janeiro no século passado são apenas alguns exemplos.
Consumidor – Pode ser que estejamos sendo muito restritivos em relação ao consumo do milho GM, mas não tenho dúvidas de que o milho transgênico vai levar à perda da diversidade do milho mexicano, Afinal, nós somos o centro de origem do milho e a entrada de transgenes nas variedades crioulas será muito danosa ao país e ao mundo. Isto está demonstrado pelas pesquisas feitas por muitos cientistas independentes.
Avaliador – Você sabe bem que o milho só se propaga com a mão humana. Não existem populações silvestres de milho em nenhuma parte do Mundo, nem mesmo no México. Por isso, as roças de milho existem onde o agricultor as planta. A intervenção humana garante que possamos ter centenas de variedades de milho no México, convivendo quase lado a lado, por séculos a fio. As variedades ditas “crioulas” convivem com variedades comerciais há dezenas de anos e nunca deixaram de ser crioulas. A presença de transgenes não muda nada neste cenário: eles não passam mais rápido aos outros milhos, não se fixam mais nas populações e não “contaminam” nada, uma vez que sua simples presença não muda o milho em uma planta diferente. A ideia de que a simples presença de um gene ou alelo numa população é uma “contaminação” que leva à impureza dos seus indivíduos, é uma tolice que beira perigosamente o nazismo.
Além disso, ao contrário do que você ouve dizer, não há artigos que demonstrem qualquer perda de agrobiodiversidade para variedades de milho devida à introdução de transgênicos ou mesmo de variedades comercias modernas. O que pode haver é abandono de variedades crioulas pelos seus mantenedores (ou “guardiões”), porque abandonaram a agricultura em busca de atividades mais produtivas ou porque decidiram plantar uma variedade de milho melhor (em termos de rendimento econômico). A produtividade média do milho crioulo no México está em torno de 800 kg por hectare, o que seguramente é insuficiente para sustentar uma família que em geral possui menos de um hectare para plantar e colher. É certo que, em outros países, o milho crioulo pode atingir produtividades de até 6 toneladas por hectare e tem gente que diz que chega a mais que isso. Mas estes milhos crioulos podem ter tido uma notável introgressão de genes das variedades comerciais e dos híbridos altamente produtivos introduzidos a partir da década de 50 na América Latina, provenientes dos EUA. Neste caso, eles são tão crioulos quanto a cantora Thalia...
A passagem e fixação de transgenes em teosinte, o ancestral do milho, nunca foi observada também e é muito pouco provável, dada a forma de cruzamento, propagação e persistência do teosinte no ambiente.
Consumidor – Se não há riscos concretos à saúde ou ao ambiente, porque há tantos grupos e indivíduos, inclusive acadêmicos, contra os transgênicos? Acaso a oposição não deriva de dados concretos e da precaução?
Avaliador – em minha leitura, a oposição deriva de uma postura anti-capitalista e anti imperialista, travestida de oposição científica. Não há problema algum em ser contra empresas estrangeiras no México, embora isso limite muito os ganhos que a economia mexicana possa ter. É assim perfeitamente válido lutar por uma agricultura 100% nacional, com práticas diferenciadas do resto da agroindústria mundial. Mas não se pode obrigar o agricultor a adotar um sistema “nacional”, por mais lindo e ideologicamente correto que seja, a menos que se extinga a democracia. E está inteiramente errado usar falsos argumentos científicos para convencer juízes leigos no assunto a declarar embargos e suspensões a atividades de pesquisa ou econômicas. É isto, infelizmente, que acontece no México e já aconteceu em menor escala no Brasil e ainda em escala maior no Peru.


2 comentários:

  1. Olá! Texto excelente, me ajudou a tirar algumas dúvidas e compor argumentos para entender as visões pró e contra o uso de transgênicos, parabéns!
    Mas tenho uma dúvida quanto a parte que você fala que a cultura de milho só é feita através de ação humana e por isso as chances de contaminação entre variantes é baixíssima. Você tem algum artigo ou fonte sobre o assunto que poderia me indicar?
    Obrigado!

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  2. Olá. Igor.
    Acho que me expressei com pouca clareza: o fato do milho só crescer onde a mão humana o planta permite um controle razoável dos cruzamentos, e isso faz com que os agricultores possam manter suas variedades por muitos anos sem misturas que levem à perda de identidade da variedade. Isso não quer dizer que as chances de "contaminação" sejam baixas apenas por causa da dependência que o milho tem do homem para sua propagação, mas inclui o manejo responsável, que leva à coexistência das variedades, sejam transgênicas ou não.
    Quanto ao fato de que o milho só se propaga onde o homem o planta, você pode ler em qualquer livro sobre a biologia do milho. Sugiro o texto online a seguir:
    http://www.ogtr.gov.au/internet/ogtr/publishing.nsf/content/maize-3/$FILE/biologymaize08_2.pdf
    Att.
    Paulo Andrade

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