domingo, 1 de abril de 2012

Segurança de transgênicos: reportagem do IDEC alarma, mas não informa corretamente o consumidor

Recentemente o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – divulgou em sua página na Internet uma reportagem sobre o que são alimentos transgênicos e quais são os riscos à saúde e à vida. A íntegra da matéria pode ser acessada em http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/saiba-o-que-sao-os-alimentos-transgenicos-e-quais-os-seus-riscos#.T2pBuZwpzxs.email

O texto, cuja intenção é a de esclarecer o consumidor brasileiro sobre os transgênicos, acaba prestando serviço contrário, pois tem graves falhas conceituais, apresenta como verdade especulações e hipóteses não provadas e, ao final, gera apenas apreensão do leitor. Avaliamos a seguir com detalhes o texto original do IDEC (em itálicos), com nossas observações em fonte normal.

O texto se inicia com a conceituação de alimento transgênico.

CONCEITO: são alimentos modificados geneticamente com a alteração do código genético, isto é, é inserido no organismos genes proveniente de outro. Esse procedimento pode ser feito até mesmo entre organismos de espécies diferentes (inserção de um gene de um vírus em uma planta) por exemplo) . O procedimento pode ser realizado com plantas, animais e micro-organismos.

Evidentemente, o conceito que se quer passar aqui é o de organismo transgênico. De fato, nenhum alimento é modificado desta forma, já que alimento em geral é uma mistura de diferentes materiais. Não se pode falar em pão, nem biscoito, nem macarrão transgênico, mas se pode, sem  prejuízo ao consumidor e mantendo a transparência e a boa ciência, dizer que eles contem proteínas transgênicas ou uma certa porcentagem de um determinado grão transgênico. No duro, mesmo, só os grãos de milho e soja são transgênicos no Brasil (já que não consumimos os grãos de algodão). E só os alimentos formulados com estes dois grãos, E QUE CONTENHAM AS PROTEÍNAS DESTES, podem ser rotulados um dia como transgênicos. Óleo de milho, soja ou algodão não contêm proteína e são absolutamente iguais ao óleo não GM, ao menos para os grãos GM atualmente no mercado.

O conceito de GM do IDEC se restringe aos organismos (e aos alimentos produzidos com eles) que tenham um gene proveniente de outro organismo. Logo o Brasil estará avaliando a segurança de muitas plantas GM que não tem genes novos, mas apenas modificações de seus próprios genes. Elas serão o grosso da nova geração de plantas GM, que não são transgênicas.

Seja como for, não são jamais os alimentos que são geneticamente modificados, mas os seus componentes vivos, animais, vegetais, fungos ou bactérias, seja a modificação genética convencional (inclusive, e muito frequentemente, por mutação) ou por engenharia genética. Este conceito errado leva o consumidor a achar que se faz biscoito, bala e bolacha GM, o que amplia inutilmente o horizonte do temor na cabeça do brasileiro comum.

(IDEC) RISCOS PARA A AGRICULTURA: as espécies transgênicas são protegidas por patentes, o que significa que o agricultor que decidir utilizá-las (se autorizadas no Brasil), terá de pagar royalties para a empresa detentora da tecnologia. A consequência mais imediata será o aumento da dependência do agricultor das empresas transnacionais do setor. Isto por que, por regra contratual, o agricultor não pode utilizar as sementes do plantio anterior, assim terá que comprar as sementes transgênicas a cada safra. Além disso, é muito difícil o agricultor “se livrar” totalmente das plantas transgênicas, o que pode ocorrer com qualquer plantação, já que, caso ele não queira mais plantá-las, a chance de ainda nascer uma planta transgênica na plantação convencional existe. Caso isso ocorra, ele poderá ser compelido a pagar uma multa e mais royalties.

Na agricultura moderna as sementes frequentemente são híbridas e devem ser compradas a cada nova safra. No preço da semente está embutido o royalty do desenvolvedor da tecnologia. Isso acontece há décadas e nada tem a ver com a transgenia, mas com a proteção industrial. Pagamos royalties embutidos no preço de quase tudo, sem saber. Mas é defendendo o direito de quem inova que temos o progresso industrial. Os transgênicos, neste aspecto, NADA TEM DE NOVO em relação aos seus parentes não GM.

A dependência do agricultor brasileiro aos produtores de semente de alta qualidade já é antiga. A diferença é que agora uma enorme parcela da produção de sementes híbridas ou linhagens de alta performance de milho e soja (e só destas duas espécies) está na mão de empresas estrangeiras. Ainda assim, o agricultor pode continuar plantando seu milho e sua soja de paiol, ou linhagens vendidas pela EMBRAPA e por outros órgãos de governo, se assim o quiserem.

Os brasileiros dependem, para o transporte de tudo o que roda neste país, de empresas estrangeiras, que produzem carros, caminhões, tratores e trens. Não há uma única empresa nacional. Isso, evidentemente, não coloca em risco o país, assim como a produção de sementes por empresas estrangeiras também não.

Por fim, é inteiramente falsa a ideia de que o agricultor não consegue se livrar de uma planta transgênica se, na outra safra, decidir plantar uma variedade não GM. Pode até aparecer, aqui e lá , um pé de planta GM, mas no conjunto a porcentagem de colheita GM vai ser tão baixa que ele jamais será acusado de pirataria de semente. O que aparece na internet sobre isso é, na sua totalidade, fábula.

(IDEC) Além disso, existe o risco da contaminação. A contaminação pode ocorrer por meio de insetos ou até mesmo por meio do vento. É o caso do milho, assim se não existir um espaçamento adequado entre as lavouras transgênicas e convencionais a contaminação pode ocorrer, pegando de surpresa o agricultor no momento da venda. Ocorre com freqüência a perda de contrato desses agricultores, já que o comprador estava interessado em um produto não transgênico.

As normas de coexistência para estas culturas estão muito bem estabelecidas. Aqui e lá aparecem notícias de problemas, mas quando se analisam os pleitos, vê-se que as suspeitas eram falsas. O milho e a soja são polinizados pelo vento. O pólen da soja dificilmente voa mais do que uns poucos metros. O do milho, sob certas condições, pode ser levado por mais de 100 m, mas em geral chega tão desidratado que não poliniza mais nada. Este conhecimento (o da polinização cruzada) é muito antigo e bem estabelecido, seja por nós ou pelos índios, há milhares de anos, e não há nada de novo ou imprevisto nisso.

(IDEC) RISCOS PARA A SAÚDE: são vários e graves os riscos potenciais, tendo os cientistas apontado como os principais deles:

1. Aumento das alergias

Quando se insere um gene de um ser em outro, novos compostos podem ser formados nesse organismo, como proteínas e aminoácidos. Se este organismo modificado geneticamente for um alimento, seu consumo pode provocar alergias em parcelas significativas da população, por causa dessas novas substâncias. Por exemplo, no Instituto de Nutrição de York, Inglaterra, em 1999, uma pesquisa constatou o aumento de 50% na alergia a produtos à base de soja, afirmando que o resultado poderia ser atribuído ao consumo de soja geneticamente modificada.

Quando se insere um gene novo num organismo, em princípio apenas o produto daquele gene será um novo composto. Efeitos imprevistos na expressão gênica NUNCA foram observados nas plantas GM comerciais, nem são efetivamente esperados, já que no processo de seleção do evento elite (aquele que vai servir de base para os híbridos comerciais) toda e qualquer modificação dos parâmetros normais da planta é razão para o descarte do produto.

As alergias alimentares são muito comuns, mas as plantas GM hoje no mercado nunca tiveram qualquer relação com alergias alimentares, tanto no homem como em animais de criação. A nova proteína produzida pela planta GM (quando alguma o é), evidentemente, passa por análises de alergenicidade antes da liberação do produto no mercado.

(IDEC) Outra preocupação é que se o gene de uma espécie que provoca alergia em algumas pessoas for usado para criar um produto transgênico, esse novo produto também pode causar alergias, porque há uma transferência das características daquela espécie. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos: reações em pessoas alérgicas impediram a comercialização de uma soja que possuía gene de castanha-do-pará (que é um famoso alergênico).

Esta frase demonstra um desconhecimento profundo de genética por parte de quem a redigiu: se um gene de um organismo frequentemente associado a alergias (camarão, por exemplo) for passado a uma planta, esta só poderá talvez produzir alergias se O GENE RESPONSÁVEL PELA PROTEÍNA ALERGÊNICA for empregado na transformação. Todos os outros 20.000 genes ou mais do camarão nada tem a ver com isso. A frase é apenas alarmista, soa científica, mas é um disparate.

O uso de genes que codificam alérgenos é, evidentemente, desaconselhado, na produção de novos transgênicos. Este NÃO É um risco real, mas apenas uma divagação que cria insegurança e temor no leitor da reportagem do IDEC.


(IDEC) 2. Aumento de resistência aos antibióticos

Para se certificar de que a modificação genética "deu certo", os cientistas inserem genes (chamados marcadores) de bactérias resistentes a antibióticos. Isso pode provocar o aumento da resistência a antibióticos nos seres humanos que ingerem esses alimentos. Em outras palavras, pode reduzir ou anular a eficácia dos remédios à base de antibióticos, o que é uma séria ameaça à saúde pública.

Esta especulação é antiga e redundante, mas só é ainda citada e sustentada pelos internautas menos experientes. Nenhuma planta GM nova expressa proteínas de resistência a antibiótico e mesmo as antigas, que o faziam, nunca foram relacionadas com aumento de resistência na população bacteriana que afeta os homens ou seus animais de criação. A razão disso é que em geral os alimentos são cozidos, e as proteínas se desnaturam, não servindo para selecionar bactérias resistentes no intestino do consumidor. Como é possível que o IDEC ainda sustente um ponto de vista tão superado?


(IDEC) 3. Aumento das substâncias tóxicas

Existem plantas e micróbios que possuem substâncias tóxicas para se defender de seus inimigos naturais, os insetos, por exemplo. Na maioria das vezes, não fazem mal ao ser humano. No entanto, se o gene de uma dessas plantas ou de um desses micróbios for inserido em um alimento, é possível que o nível dessas toxinas aumente muito, causando mal às pessoas, aos insetos benéficos e aos outros animais. Isso já foi constatado com o milho transgênico Bt, que pode matar lagartas de uma espécie de borboleta, a borboleta monarca, que é um agente polinizador. Sequer a toxicidade das substâncias inseridas intencionalmente nas plantas foi avaliada adequadamente. Estas substâncias estão entrando nos alimentos com muito menos avaliação de segurança que qualquer aditivo, corante, pesticida ou medicamento.


Outra vez, o IDEC parece seguir as fábulas da internet ao invés de seguir o avanço do conhecimento: o impacto das proteínas Bt sobre a borboleta monarca é, de fato, nulo. Centenas de estudos foram feitos para elucidar o potencial danoso das várias proteínas obtidas do Bacillus thuringiensis (as tais proteínas Bt) sobre os mais diversos organismos. Exceto por uns poucos artigos discordantes, que entretanto têm falhas metodológicas graves, nada foi encontrado que implicasse em dano ambiental. Se observarmos com atenção, não há relatos de danos ambientais produzidos pelo Bt, seja ele a formulação usada na agricultura orgânica, seja o produzido pelas plantas transgênicas. Isso é verdade para o Brasil e para vários outros países que empregam as plantas GM produtoras de Bt ou os cristais de Bt na agricultura orgânica. (Para um comentário sobre vozes discordantes, em especial sobre impacto do Bt sobre organismos não-alvo, ver http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/vozes-isoladas-na-ciencia-quebra-de.html)

A ideia equivocada de que estas proteínas não tiveram seu potencial tóxico corretamente avaliado é inteiramente fantasiosa: como dito antes, centenas de artigos esmiuçaram o potencial tóxico destas proteínas, que não são novas, mas empregadas comumente na agricultura orgânica há mais de 50 anos, sem qualquer relato de problema tóxico. Evidentemente, a avaliação de segurança alimentar de uma proteína nada tem a ver com a de um medicamento ou de um pesticida, e se o IDEC crê que o Brasil deveria tratar as proteínas Cry e Vip como se fossem inseticidas químicos, deve começar desafiando as sociedades científicas e a ANVISA, que pensam de outra forma.


(IDEC) 4. Maior quantidade de resíduos de agrotóxicos

Com a inserção de genes de resistência a agrotóxicos em certos produtos transgênicos, as pragas e as ervas-daninhas poderão desenvolver a mesma resistência, tornando-se "super-pragas" e "super-ervas". Por exemplo, a soja Roundup Ready tem como característica resistir à aplicação do herbicida Roundup (glifosato). Consequentemente, haverá necessidade de aplicação de maiores quantidades de veneno nas plantações, o que representa maior quantidade de resíduos tóxicos nos alimentos que nós consumimos. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou em 2004 o aumento em cinquenta vezes do limite de glifosato permitido em alimentos a base de soja. Os prejuízos para o meio ambiente também serão graves: maior poluição dos rios e solos e desequilíbrios incalculáveis nos ecossistemas.


O uso de agrotóxicos faz parte da agroindústria, use ela plantas GM ou não. Só que é preciso distinguir duas situações muito distintas, embaralhadas pelo parágrafo acima: a) plantas resistentes a insetos e b) plantas tolerantes a herbicidas.

No primeiro caso as plantas GM DEFINITIVAMENTE diminuem o uso de inseticidas (embora não o eliminem). Isto o IDEC, convenientemente, não comenta. Ora, resíduos de inseticida nos vegetais que serão consumidos frescos são a principal fonte de contaminação alimentar por agrotóxicos. É verdade que, por enquanto, as plantas que são consumidas frescas (frutas e legumes) não são ainda transgênicas. Por tanto, este assunto deverá ser tratado no futuro, e não como é feito nesta reportagem do IDEC. Sugerimos a leitura de http://genpeace.blogspot.com.br/2012/02/agrotoxicos-e-transgenicos-no-brasil.html) para uma avaliação da relação entre transgênicos e intoxicação alimentar por agrotóxicos no Brasil.

No caso das plantas tolerantes a herbicidas, o que ocorreu foi a substituição de um conjunto de herbicidas de largo impacto ambiental por outros de classe toxicológica muito mais baixa. É certo que houve um aumento no uso de herbicidas, mas também houve um enorme aumento da produção, que acompanha passo a passo o aumento do emprego de pesticidas, em geral. Portanto, não foram os transgênicos que implicaram num aumento do uso de agrotóxicos, mas o aumento global de produção. Só não vê isso quem quer não quer.

Que os agrotóxicos têm um impacto no ambiente é claro. Isso deve ser controlado, fiscalizado e, quando for o caso, punido o mau uso. Mas eliminar por completo os agrotóxicos é impossível no modelo atual de agricultura intensiva que o mundo todo emprega. Podemos voltar a produzir de forma mais artesanal e agroecológica e eliminar a agroindústria, é claro, mas para isso o Mundo deve encolher sua população em pelo menos 50%.


(IDEC) RISCOS PARA O MEIO AMBIENTE: os perigos que os transgênicos podem oferecer ao meio ambiente são muitos.

A inserção de genes de resistência a agrotóxicos em certos produtos transgênicos faz com que as pragas e as ervas-daninhas (inimigos naturais) desenvolvam a mesma resistência, tornando-se "super-pragas" e "super-ervas". Por exemplo, a soja Roundup Ready tem como característica resistir à aplicação do herbicida Roundup (glifosato). Isso vai exigir a aplicação de maiores quantidades de veneno nas plantações, com maior poluição dos rios e solos. Haverá ainda desequilíbrios nos ecossistemas a partir da maior resistência desenvolvida, ao longo dos anos, pelas pragas e ervas-daninhas.

O surgimento de plantas e insetos resistentes tem muito mais com o manejo do campo do que com o mecanismo de ataque e de defesa. Assim, roças mal conduzidas são logo punidas pelo aparecimento de plantas resistentes. A opção NÃO É aumentar a dosagem do agrotóxico, mas trocar o princípio ativo. E fazer o manejo correto do campo. Isso NADA TEM A VER com os transgênicos, mas sim com a agricultura, seja ela do pequeno produtor ou da agroindústria. Assim, este parágrafo da reportagem veicula um conceito errado e conclui ainda mais erradamente.

(IDEC) Para o Brasil, detentor de uma biodiversidade ímpar, os prejuízos decorrentes da poluição genética e da perda de biodiversidade são outros graves problemas relacionados aos transgênicos. 

A frase está completamente perdida aqui. Primeiro: o que vem a ser poluição genética? Isso soa meio nazista, ainda que o contexto seja outro. Segundo: porque o milho, a soja e o algodão transgênicos, resistentes a inseto ou tolerantes aos herbicidas, vão destruir nossa biodiversidade? Depois de dez anos de adoção desta tecnologia em 31 milhões de hectares, onde estão as evidências de que os transgênicos estão matando nossa biodiversidade? Se fossem as mesmas áreas plantadas com variedades não GM, seria o impacto ambiental menor? Duvidamos muito.

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